It was certainly a return to Goa, says Renato Epifânio, president of MIL, the International Lusophone Movement, even if we had never been there – as we were, in 2018. In an exclusive article for the Lusophone Society of Goa, Renato Epifânio continues to say that looking, however, at the monuments, especially in “Velha Goa”, at the very typical neighborhood of “Fontainhas”, in Panjim, at the names of the streets, of the people themselves, it was certainly a return. A return, certainly, bittersweet. This historical memory is progressively vanishing and, if this inertia and erosion continue, in a few decades almost nothing will be left. Please read the full article in Portuguese:
Saudades de Goa
by Renato Epifânio September 15, 2024
Que tem Goa, que magoa
meu coração português?…
(– Índia sonhada em Lisboa,
diz-me segredos de Goa,
diz-mos baixinho de vez…)
Que tem Goa, que destoa
do mundo que à volta sei?…
(– Índia das noites à toa,
canta-me a voz do Pessoa,
conta-me a volta do Rei…)
Que tem Goa, qu’inda ecoa
nas águas mortas do mar?
(– Índia, vem… moro em Lisboa…
deixei meus barcos em Goa,
preciso de navegar…)
Casimiro Ceivães, in Revista NOVA ÁGUIA, nº 2 (2ª semestre de 2008)
Foi decerto um regresso, ainda que nunca lá tivéssemos estado – como estivemos, em 2018. Olhando, porém, para os monumentos, sobretudo em “Velha Goa”, para o bairro tão típico das “Fontainhas”, em Pangim, para os nomes das ruas, das próprias pessoas, foi decerto um regresso. Um regresso, decerto, agridoce. Essa memória histórica está a apagar-se progressivamente e, se se mantiver esta inércia e esta erosão, daqui a poucas décadas já quase nada restará. Sendo que já não resta muito.
Seria fácil apontar o dedo a Portugal e aos restantes países lusófonos mas, neste caso, é a própria Índia a principal responsável. Mais de seis décadas após a anexação, a Índia continua a querer “indianizar” Goa, não percebendo que seria do seu próprio interesse que Goa mantivesse a sua relativa singularidade, tal como a China já percebeu há muito no caso de Macau, ainda que por meras razões económicas.
Assim, enquanto a China promove o ensino da língua portuguesa e faz de Macau um canal de comunicação e comércio com o espaço lusófono, em Goa desincentiva-se o ensino da língua portuguesa. Segundo os “media” locais, conforme pudemos testemunhar, só os “velhos” (ou os “saudosistas”, para não dizer pior) insistem em aprender a nossa língua. O que é falso. Vimos dezenas de jovens em aulas de português. Se não fosse este ambiente adverso, difundido pelas próprias autoridades indianas, essas dezenas seriam decerto centenas, senão milhares.
O que torna a situação mais absurda é o facto de, neste caso, a Índia estar a lutar contra si própria. Mais de seis décadas após a anexação, não há ninguém em Portugal que, seriamente, pretenda questionar o estatuto de Goa. Enquanto houver Índia, Goa fará pois parte da Índia. Neste caso, a história é absolutamente irreversível e é mais do que tempo da Índia perceber isso. Sendo que os fantasmas indianos não têm a ver apenas com Portugal. É ainda sobretudo o trauma da cisão do Paquistão que leva a Índia a querer “indianizar” o mais possível todo o território.
As posições públicas do Primeiro-Ministro da União Indiana, Narendra Modi, são a esse respeito preocupantes. Há um assumido propósito de fazer do hinduísmo a única religião de referência do país, tornando assim “estrangeiros” os católicos e os muçulmanos. Mas se quanto à ultra-minoria católica (não chega a 2%) Narendra Modi sabe que nada deve temer, já quanto aos muçulmanos, que são cerca um terço da população, a situação é muito diferente. Decerto, eles não ficarão calados nem quietos. A Índia é também o país deles. E eles – penso, em particular, num muçulmano goês, que fala razoavelmente bem a nossa língua (e que até partilha connosco as mesmas cores clubísticas) – têm decerto o direito a continuar a viver na Índia.
Entretanto, há uma série de comunidades em Goa que se sentem igualmente ameaçadas. Falo, com conhecimento de causa, de uma série de comunidades do interior de Goa que durante séculos se dedicaram à agricultura e à pecuária, cuja autoridade sobre as suas terras foi reconhecida pelo Estado Português (oficiosa e depois oficialmente através de um “Código das Comunidades”, datado de 1904 e reiteradamente confirmado em 1933 e em 1961), e que agora vêem essa autoridade questionada, pondo assim em causa um secular modo de vida. Quando regressar de novo a Goa, espero reencontrá-las mais esperançadas no seu futuro, no nosso futuro comum.
Entretanto, esperemos igualmente que a Índia tenha em relação a Goa a lucidez e a inteligência que a China tem tido em relação a Macau – a China tem apostado em Macau e na língua portuguesa como uma ponte para todo o mundo, desde logo para o mundo lusófono. Esperemos, de facto, que, entretanto, a Índia faça algo de similar. Já é mais do que tempo. Mais de seis décadas após a anexação e integração de Goa na União Indiana, ninguém em Portugal, no século XXI, irá reclamar aquele território. Apostem, pois, amigos indianos, sem quaisquer fantasmas (neo-)coloniais, na língua portuguesa. Não para agradar a Portugal. Apenas – razão suficiente – porque essa aposta vos será benéfica: quer para conhecerem mais o vosso passado, quer, sobretudo, para terem um melhor futuro neste mundo cada vez mais globalizado.
Renato Epifânio
Renato Epifânio é Professor Universitário. Doutorou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Preside ao MIL: Movimento Internacional Lusófono desde a sua formalização jurídica (2010). É membro do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, da Direção do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, da Sociedade da Língua Portuguesa, e da Associação Agostinho da Silva. Dirige a Nova Águia, Revista de Cultura para o Século XXI, e a Colecção de livros com o mesmo nome (Zéfiro).