“A primeira vez que ouvi falar de Goa devia estar a frequentar a 4ª Classe e foi durante uma aula de português em que o assunto era o mundo lusófono. Como Goa era um topónimo estranho recorri ao atlas para localizar no mapa este território. Daí em diante percebi que o mundo lusófono era muito mais vasto do que aquele que os olhos e a imaginação me permitem conceber” explica Luciano Canhanga escritor angolano em entrevista exclusiva à Lusophone Society of Goa (LSG).
O escritor Luciano Canhanga* de Angola fala-nos sobre os seus livros, sobre a literatura angolana e sobre a Lusofonia. E lembra-se de Goa.Uma entrevista exclusiva conduzida em português pela Lusophone Society of Goa (LSG).
Sr. Luciano Canhanga, o Sr. estreou-se na Literatura Angolana em 2010 com o “Sonho de Kauía” e, como jornalista profissional, é responsável pela comunicação institucional da maior empresa diamantífera angolana, a Sociedade Mineira de Catoca. O que significa para si ser jornalista e escritor ao mesmo tempo?
Ser jornalista e escritor é uma combinação harmoniosa a que me entrego com prazer, já que o jornalista e o escritor habitam o mesmo corpo.
O jornalismo é um sonho de há muito que se materializou com formação neste campo. O exercício da assessoria de Comunicação Institucional em Catoca é a exploração do outro lado da minha formação em Comunicação Social. É uma nova experiência prazerosa a qual procuram chegar grande parte dos jornalistas angolanos, depois de muito tempo a trabalhar em notícias diárias ou periódicas. Quanto à literatura, é apenas um complemento do meu ser. Na verdade, prefiro que me considerem como um “anotador ou contador de cenas”, pois estou a entrar na literatura por mero acaso, como extensão do jornalismo que nunca deixei de exercitar, pois o jornalismo, para mim, é como se fosse um vício.
Porque é que se considera “anotador ou contador de cenas” e não gosta de se denominar escritor?
Considero que os escritores, digno desse nome, são aquelas pessoas que se cultivam para o ser. Que escrevem com profissionalismo e que vivem a fazer ficção. Eu sou um jornalista que, com alguma folga de tempo, vou procurando transcender do jornalismo à literatura. Por outro lado, eu não faço uma literatura clássica. Sou um repórter de vivências e que me sirvo da literatura para representar a realidade. Apesar de tenderem para a ficção, os meus escritos têm uma vertente vivencial. Se houvesse um meio termo entre o jornalismo e a literatura, a crónica por exemplo, é neste género que melhor me situo. Sou um cronista.
O seu livro “Manongo Nongo”, lançado em 2012, é um conto infanto-juvenil. Qual a razão de se virar para os mais novos?
Na verdade, tratam-se de vários contos (fábulas). Uns já ouvidos na infância e recontados com novos cenários e personagens, outros são de minha criação.
Os povos que tiveram um longo período sem o registo escrito faziam a sua História e preservavam a sua cultura através da oralidade. Fui influenciado, na minha infância, pelas estórias e história que ouvia contar dos mais velhos. Decidi levar parte desta oralidade para a literatura, como forma de legar aos mais novos as experiências e vivências que me foram transmitidas na infância de forma oral.
Hoje, são poucas as famílias que conservam o hábito de cantar para embalar uma criança ao sono ou contar uma estória. Já que a juventude hodierna não tem registos orais para reproduzir aos seus filhos, os livros podem ajudar a cumprir esta missão.
Como caracteriza actualmente a literatura angolana?
O lado criativo está no bom caminho. Há maior liberdade de os escritores escreverem e publicarem sem qualquer forma de censura activa ou passiva. Regista-se também o surgimento de muitos novos escritores. Apenas há dificuldades em publicar, visto que não há uma grande cultura de leitura e, por este facto, vendem-se poucos livros. Os livros em Angola são também relativamente caros, pois não temos uma indústria de papel e impendem sobre os livros publicados fora do país elevadas taxas aduaneiras. Isso faz dos escritores autênticos mendigos à procura de patrocinadores para as suas criações artísticas. Muitas vezes os escritores têm de suportar os gastos com a edição, como é o meu caso.
Quais são os seus escritores angolanos preferidos e porquê?
O primeiro livro que li foi “Vozes na Sanzala” de Uanhenga Xitu. Gostei do livro, gosto da sua bibliografia e da sua forma de escrever. Também admiro a escrita do Ondjaki, um escritor jovem e bastante produtivo, como admiro Jacinto de Lemos, Jofre Rocha, Roderick Nehone, Izaquiel Cori e Ismael Mateus. Há mais nomes mas prefiro citar apenas esses. Todos eles têm uma literatura cativante e tenho-os também como contadores de cenas. Uns, como Uanhenga Xitu, que é uma figura incontornável da literatura angolana, demonstram mais preocupação com o conteúdo do que com a forma de exposição e, às vezes, eu sigo-lhe o exemplo.
Acha que vale a pena incutir o espírito lusófono nos países e regiões de língua portuguesa?
A lusofonia é uma cultura. É algo existente, independentemente da dispersão dos falantes pelo mundo. Goa e Timor não estão nem próximos dos outros países lusófonos nem distantes. Estes territórios estão aí onde Deus e a aventura humana quiseram que estivessem, conservando uma cultura e língua já seculares. A língua estará lá para sempre como permanecerá em África e na América do Sul. É também importante ter em conta que a globalização aumenta a diáspora lusófona. Logo, é de incutir o espírito lusófono nos países e regiões que se expressam em português, e também noutros que queiram adoptar ou comunicar-se nesta língua. É o caso da Guiné Equatorial que vem reclamando o estatuto de membro efectivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Quanto à questão linguística, sou um expansionista. Venham mais falantes!
Quando ouviu falar primeira vez de Goa e soube onde Goa se localizava?
A primeira vez que ouvi falar de Goa devia estar a frequentar a 4ª Classe e foi durante uma aula de português em que o assunto era o mundo lusófono. Como Goa era um topónimo estranho recorri ao atlas para localizar no mapa este território. Daí em diante percebi que o mundo lusófono era muito mais vasto do que aquele que os olhos e a imaginação me permitem conceber.
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*O jornalista e escritor angolano Luciano Canhanga, com o pseudónimo literário “Soberano Canhanga” nasceu no Libolo ( província de Kwanza Sul), Angola em 1977. É licenciado em Comunicação Social, trabalhou na rádio Luanda Antena Comercial (LAC) e colaborou em diversas rádios e jornais nacionais e estrangeiros. Há seis anos é o responsável pela comunicação institucional da Sociedade Mineira de Catoca. Escreve desde o princípio da década de noventa, sendo o seu primeiro romance “O Sonho de Kaúia” em 2010, e ainda o livro de contos “Manongo-Nongo” (2011) e o “ebook” “10 Encantos”, uma colectânea de poemas (2012). Vai lançar, no próximo mês de Maio, o seu terceiro livro denominado os “10 Encantos”, em livro impresso, um conjunto de poemas que vem escrevendo desde 1993.
Faz parte do restrito grupo de escritores angolanos cuja obra está traduzida em outro idioma. A Revista de Literatura Universal da Roménia “Orizont Literar Contemporan” publicou dois dos seus poemas: “Regresso Anunciado” e “Drama”.