” Para mim, pessoalmente, a influência histórica de Portugal e a importância económica, política e cultural dos países da língua portuguesa são presentemente uma história fascinante” explica a senhora Marin Mõttus, embaixadora da Estónia em Portugal e Marrocos, em entrevista exclusiva à LSG – Sociedade Lusófona de Goa. “O interesse pela língua portuguesa, e pela rica herança cultural dos países lusófonos e também para o potencial de cooperação económica com eles está crescendo rapidamente na Estónia,” diz Mõttus. A Estónia é um dos três países bálticos, situados no norte da Europa.
Entrevista exclusiva da LSG (Lusophone Society of Goa – Sociedade Lusófona de Goa) com a Sra. Marin Mõttus*, Embaixadora de Estónia** em Portugal e Marrocos. A entrevista foi conduzida em inglês.
Prezada embaixadora Mõttus, como é que se explica que a Senhora é fluente em português e uma entusiasta do mundo lusófono?
A Estónia é um país pequeno: a nossa população é de 1,3 milhões. A nossa língua – o estoniano – é bastante similar ao finlandês e pertence ao grupo de línguas fino-úgricas. Em geral, a maioria das línguas fino-úgricas são faladas hoje em dia por pequenos grupos étnicos, e os únicos países a ter uma língua fino-úgrica como língua oficial, são a Finlândia, Hungria e a Estónia. Isso explica por que o conhecimento de várias línguas estrangeiras é uma obrigação para o nosso povo, para não mencionar os diplomatas. Mas há mais sobre o mundo lusófono do que apenas a língua portuguesa: para mim, pessoalmente, a influência histórica de Portugal e a importância económica, política e cultural dos países da língua portuguesa são presentemente uma história fascinante, ainda não suficientemente conhecida na Estónia. Assim, é minha missão como embaixadora da Estónia a Portugal encontrar, criar e desenvolver estes contactos.
Há um motivo específico, por que os países da língua portuguesa, como um grupo, permaneceram relativamente desconhecidas para os estonianos?
Cultural e historicamente os parceiros mais próximos da Estónia foram os países nórdicos e a Alemanha mas também os contactos com os nossos vizinhos bálticos, Letónia e Lituânia, são importantes. Por outro lado, a primeira língua estrangeira na Estónia é o inglês. E além disso o nosso vizinho oriental é a Rússia, o que significa que o conhecimento da língua e cultura russas está também presente. Estes são também os países com os quais temos contatos comerciais fortes e onde vivem numerosas comunidades estrangeiras estonianas. Mas gostaria de dizer que o interesse pela língua portuguesa e pela rica herança cultural destes países, e também para o potencial de cooperação económica com eles, está crescendo rapidamente na Estónia.
Os países de língua portuguesa deveriam desempenhar um papel no mundo moderno como nações individuais ou em grupo?
Esta é uma pergunta difícil para mim por causa de meus escassos conhecimentos sobre esta parte do mundo. Hoje, como os interesses económicos e políticos dos países estão tão interligados uns com os outros e temos tantos desafios e problemas transfronteiriços, os países e as nações devem tentar provavelmente estabelecer tanto quanto podem uma vasta rede de cooperação internacional. Assim, definitivamente todos os países lusófonos devem ser livres para encontrar os seus parceiros, mas creio que, em muitos casos, a existência deste grupo pode dar a cada um dos países uma importante mais valia. E a dimensão do grupo de língua portuguesa pode certamente ser muito interessante culturalmente porque os temas de identidade, raízes históricas e influências culturais são questões amplamente debatidas em nossa época; o grupo lusófono poderia assim contribuir com interessantes ideias para este debate e também pode agir em conjunto para proteger e promover o vosso património cultural comum.
Qual é a principal prioridade da Estónia quanto às relações com os países lusófonos?
A Estónia é uma sociedade pequena, aberta e inovativa, cujo sucesso político e económico depende substancialmente dos contatos internacionais que possa criar. Assim, como observamos o peso político e económico crescente dos países lusófonos no mundo, consideramos cada vez mais importante explorar as oportunidades que esses países nos oferecem. O objectivo da Estónia é de participar activamente na procura de soluções para os debates globais actuais e situações de crise; os países lusófonos são para nós parceiros interessantes de diálogo, já que as suas diferentes experiências históricas e políticas são enriquecedoras para o nosso pensamento político.
Falando de contactos económicos e comerciais: por exemplo a Estónia não tem abundância de recursos minerais ou energia como vários países lusófonos os têm; mas ao mesmo tempo a nossa experiência em tecnologias de informação e de comunicação e de E-serviços pode ser interessante para esses países. Consideramos que a cooperação nestes domínios pode ser mutuamente benéfica.
E – por último, mas não menos importante – estamos interessados na vossa rica herança cultural. Enquanto a República da Estónia é um país relativamente jovem (que recentemente comemorou os seus 95 anos), as raízes fino-úgricas da nação são antigas, temos uma longa tradição de folclore e o indicador de literacia do país foi de 95% já há um século. Os estonianos estão ansiosos para aprender línguas estrangeiras e, graças ao Instituto Camões de Lisboa, a língua portuguesa é ensinada ao nível académico em duas universidades estonianas. O escritor português mais universal, Fernando Pessoa, tem uma variedade de suas obras traduzidas para o estoniano, mas sabemos que ainda há muito a ser descoberto na vasta paisagem lusófona de literatura, música e arte.
A senhora escreveu num artigo publicado na Diplomaatia *** da Estónia “todos os oito países de língua portuguesa são nações marítimas, o que lhes abre um leque de interessantes oportunidades de cooperação no setor de trânsito”. Pode explicar?
Como eu não sou uma especialista na matéria, ficaria aqui a um nível mais genérico. O ex-presidente da Estónia, o nosso amado escritor, diplomata e político Lennart Meri disse uma vez que nenhuma nação marítima pode ser uma pequena nação. Isso tem estado de certa maneira sempre presente em nossa visão do mundo: ser uma nação marítima é muito mais do que apenas ter uma costa agradável e possibilidades para o transporte marítimo, significa uma maneira mais aberta para ver o mundo. O fato de vários países lusófonos terem sido especialmente bem sucedidos no desenvolvimento da sua economia e modernas tecnologias de comunicação pode estar directamente relacionado com a sua posição geográfica e com o seu acesso ao mar.
Senhora Embaixadora Mõttus quando é que a senhora ouviu falar pela primeira vez de Goa e soube onde Goa se situava geograficamente?
A Índia, a sua história, filosofia e cultura atrairam um grande interesse nos estudantes da Universidade de Tartu (Estónia), onde estudei no início da década de 1980. Naturalmente, temos de ter em conta as severas restrições de liberdade de pensamento relacionadas com a ocupação soviética da Estónia naquela época; de qualquer forma e graças a algumas personalidades poderosas, os temas orientais, incluindo a Índia, eram muito populares entre os estudantes. Por outro lado, a história da Península Ibérica e as grandes descobertas das suas nações foram também do meu interesse pessoal desde os meus tempos da universidade. Quando foi o exato momento de fazer esse link…? Difícil dizer. De qualquer modo, fazer ligações é essência da diplomacia…
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* Marin Mõttus nasceu em Tallinn, em 4 de abril de 1960. Em 1983 Mõttus graduou-se no Departamento de Língua e Literatura Estoniana da Universidade de Tartu e em 2000, obteve o seu mestrado em Relações Internacionais da Escola de Diplomacia de Madrid e da Universidade Complutense. Antes de entrar para o Serviço Diplomático Marin Mõttus trabalhou como professora na escola secundária e na Universidade de Tecnologia de Tallinn e como editora na agência noticiosa Baltic News Service; traduziu também obras de literatura do espanhol para o estoniano. Mõttus entrou no Ministério dos Negócios Estrangeiros em 1997, quando começou a sua carreira no Departamento de Imprensa do Ministério. De 2002-2005 Mõttus trabalhou como diplomata económico na Embaixada da Estónia em Madrid; depois foi diretora de divisão no Departamento Político do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Antes de ser nomeada embaixadora da Estónia em Portugal Marin Mõttus foi chefe da missão especial da Estónia em Israel e desde a abertura da embaixada da Estónia em Tel Aviv em 2009, foi encarregado de negócios interino da Estónia em Israel. Marin Mõttus é agora embaixadora da Estónia em Portugal e Marrocos. Embaixadora Mõttus fala estoniano, inglês, português, espanhol, russo e finlandês.
** A Estónia é um dos três países bálticos, situados na Europa Setentrional. Com a capital em Tallinn, é um país verde de mil lagos, onde as florestas cobrem 50,5% da superfície. Com uma população de 1,34 milhões de habitantes a Estónia tem como língua oficial o estoniano, que pertence ao grupo linguístico fino-úgrico, tendo fortes afinidades com o finlandês. Desde a Reforma, ocorrida no séc. XVI, a Igreja Luterana tem sido preponderante na Estónia.
Quanto aos setores da indústria estoniana, que cresceu 3,2 % em 2012, os principais são os de engenharia, eletrónica, madeira e derivados, têxtil, tecnologia da informação e telecomunicações. A Estónia exporta dois terços de tudo o que produz, sendo destes um terço só em serviços, principalmente turismo. A Estónia ganhou mais recentemente a alcunha de “tigre báltico” devido ao resultado da transição de uma economia centralizada para a de mercado, com características como investimento estrangeiro, aumento do crédito e consumo interno, e muito especialmente com o rápido desenvolvimento das tecnologias informáticas e de comunicação. O PIB da Estónia, em 2012, ficou em 22,24 bilhões de dólares (17 bilhões de euros).
*** “Diplomaatia” (Diplomacia) é uma revista mensal editada desde 2003 pelo Centro Internacional de Estudos de Defesa. “Diplomaatia” analisa assuntos internacionais e aborda os temas chave das relações internacionais da Estónia