Artistas moçambicanos

Emídio Josíne, jovem artista moçambicano, em entrevista exclusiva para a Sociedade Lusófona de Goa: “É preciso que cada um de nós se sinta responsável pela Lusofonia”

“Acredito que tanto em Moçambique como em  outros países lusófonos estamos a trabalhar para haver uma união mais forte entre os falantes de português, de irmão para irmão, esquecendo quaisquer complexos de superioridade ou de qualidade para estarmos num só espírito: o espírito lusófono. Mas é preciso que também cada um de nós sinta essa responsabilidade.”
Emidio Josine, jovem artista moçambicano em entrevista exclusiva para a Lusophone Society of Goa  (LSG). Sobre o cinema moçambicano Josine diz que  “fazer um filme em Moçambique implica muitos factores. São poucos os realizadores que fazem filmes de ficção  e poucos são formados na área. Não temos ainda uma equipe cem por cento profissional, isto é ainda há lacunas em certas áreas como a escrita para o cinema, continuidade, directores de fotografia, produção, embora deva admitir que os que temos são muito bons.”

 

 

Uma entrevista exclusiva da Lusophone Society of Goa
com o jovem fotógrafo e cineasta moçambicano Emídio Josíne*
(A entrevista foi conduzida em português)

Como jovem e promissor artista moçambicano o que é que gosta mais de fazer, fotografia ou cinema?
Emídio Josíne – Na verdade gosto dos dois, mas o cinema sempre esteve comigo desde a infância. Como precisava de um ponto de partida, iniciei a minha carreira artística como designer gráfico e andava sempre com uma câmara fotográfica amadora e assim fui desenvolvendo a minha fotografia até chegar a um nível profissional. Depois de aprender fotografia a preto e branco trabalhei cerca de 3 anos como repórter fotográfico para jornais e também como free-lancer.

O cinema começou a consolidar-se mais em mim por causa da fotografia. Hoje faço filmes de média metragem e a minha paixão pelo cinema cresce a cada dia, pelo que agora estudo filme numa academia em Amesterdão. Portanto a fotografia e o cinema são para mim como o ar e a água que são indispensáveis e inseparáveis para o ser humano.

Trato os dois com a mesma seriedade.

Olhos inocentes.Mciene, Moçambique. Foto 2009

Já aos 28 anos de idade, em 2010,  produziu como diretor o filme “À espera no quintal”. Considera esta sua obra a mais importante da sua atividade cinematográfica?
Emídio Josíne –  Neste momento sim, considero essa a produção mais importante para mim porque primeiro foi rodada no Brasil onde nunca lá tinha estado. Segundo porque  trabalhar com duas equipes de moçambicanos e brasileiros e fazer o filme aumentou em mim uma grande responsabilidade cinematográfica. E terceiro porque me valeu um troféu inesperado como melhor director e melhor filme documentário.

Emidio Josine, Luis Ruffato, Amancio Tiago, Yep no Festival de Filme “Ver e fazer filmes”. Brasil 2010

Mas orgulho-me também, de um outro trabalho “Lobolo” que realizei em 2011, um guião para uma ficção que ganhou no festival de cinema de Ouagadougou (FESPACO) a distinção da melhor mensagem africana.

Mas “Á espera no quintal” foi de facto uma escola para mim.

Em relação à fotografia ganhou em  2008  o concurso nacional de fotografia patrocinado pela Associação Moçambicana de Fotografia e em Outubro de 2011 fez uma viagem fotográfica por Amesterdão,  Colónia e Munique com o fotógrafo moçambicano Ismael Miquidade e o fotógrafo alemão Jan Steinberg. A sensação de fotografar em Moçambique difere da de fotografar na Europa?
Emídio Josíne – As temperaturas frias da Europa (Holanda e Alemanha) comparadas com o clima quente de Moçambique fazem com que na Europa aumentemos mais a abertura do diafragma enquanto em Moçambique diminuimos. O povo europeu é também mais aberto em relação à fotografia. O problema europeu da invasão de privacidade acho que está superado e a fotografia é uma arte bem aceite. Na Europa há respeito e consideração pelo artista fotográfico mas os temas europeus diferem muito dos temas moçambicanos.

Um dos grandes problemas de fotografar em  Moçambique é que só pelo facto de apontar a câmara para alguém cria problemas.

Mas tanto na Europa como em Moçambique existe esse lado positivo que é a interacção com a população. Os desafios de fotografar um tema complicado estão em todo lado e é super maravilhoso quando se consegue compreender uma determinada cultura para melhor documentá-la.

Agora que estuda na Rietveld Academie de Holanda, trabalha e vive em Amesterdão, qual a diferença em fazer cinema em Moçambique e fazer na Holanda?
Emídio Josíne – Há uma grande diferença. Na Holanda uma produção cinematográfica tem que ser bem estruturada e super organizada e tem-se um número de pessoas limitadas para trabalhar e  tudo é detalhado com precisão, hora e datas porque tudo isso envolve muito dinheiro e as pessoas são pagas por hora, tanto os actores como a equipe técnica. São pessoas altamente formadas que levam muito a sério o cinema e por essa razão a Europa virou um dos destinos favoritos de alguns realizadores de Hollywood. Na Europa existem boas condições para se ter um produto de qualidade.

Fazer um filme em Moçambique implica muitos factores. São poucos os realizadores que fazem filmes de ficção  e poucos são formados na área. Não temos ainda uma equipe cem por cento profissional, isto é ainda há lacunas em certas áreas como a escrita para o cinema, continuidade, directores de fotografia, produção, embora deva admitir que os que temos são muito bons. Algum do material que utilizamos temos que alugar em países vizinhos. A própia política cinematográfica está neste momento a passar por muitas alterações, algumas boas, algumas más. Temos muitos actores de teatro que actuam em filmes mas precisamos ainda de aperfeiçoar esses actores.

E outra coisa que me deixa triste como realizador é a falta de apoio por parte do governo moçambicano. Hoje, nós jovens, fazemos cinema por teimosia, porque amamos contar histórias com a câmara e é por essa razão que se fazem muito poucos filmes. Há uma equipe composta por jovens que neste momento está ser estruturada pela Mahla filmes, uma empresa cinematográfica moçambicana. Acredito que isso é para o cinema moçambicano uma mais valia para um futuro cinematográfico melhor.

A menina dos diamantes. Chibuto, Moçambique. Foto 2011

O que acha da Lusofonia? Sente-se em Moçambique o espírito lusófono?
Emídio Josíne – Em Moçambique o espírito lusófono está a crescer a cada dia que passa. Consome-se em Moçambique um pouco de tudo que é lusofono, desde a música, a moda, a gastronomia e sobretudo tem havido parcerias com os músicos de Angola e do Brasil. A minha experiência pessoal com outros povos da lusofonia ainda não é muito grande. Mas espero poder ampliar o meu intercâmbio com todos esses países.

Neste momento tenho amigos e conhecidos em seis países da lusofonia e a experiencia que tive com todos eles foi bastante positiva. Acredito que tanto em Moçambique como em  outros países lusófonos estamos a trabalhar para haver uma união mais forte entre os falantes de português, de irmão para irmão, esquecendo quaisquer complexos de superioridade ou de qualidade para estarmos num só espírito: o espírito lusófono. Mas é preciso que também cada um de nós sinta essa responsabilidade.

Diga-nos sinceramente, quando ouviu falar pela primeira vez na sua vida de Goa e soube onde Goa se localizava?
Emídio Josíne – Sobre Goa, ouvi pela primeira vez numa aula de geografia e de história na quarta classe, quando num dos temas se tratava de mercadores indianos que faziam trocas comerciais com os povos da Africa sobretudo os da costa do Índico. Havia muita ligação também com Zanzibar e a Ilha de Moçambique onde os indianos trocavam muitos produtos locais pelos tecidos da Índia e da Arabia.

Além disso em Maputo há um bar muitíssimo famoso chamado Goa. frequentado por vários artistas, jornalistas, boémios, políticos e até pelo cidadão pacato. Ao cair do dia, no Goa não existe discriminação nem grau de superioridade e conheço aquele lugar desde a minha adolescência porque costumava brincar perto daquele local.

Em Maputo na minha infância havia muitas lojas pertencentes a comerciantes indianos e alguns que conheci eram provenientes de Goa.

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*Emídio Josíne, artista moçambicano nasceu em Moçambique em 1982 e terminou em 2004 a Escola Nacional de Artes Visuais como desenhador gráfico, em Maputo. Em 2008  ganha o concurso nacional de fotografia para novos talentos, organizado  pela Associação Moçambicana de Fotografia e que lhe valeu a sua primeira individual. Em 2009/10, Josine, trabalhou como fotojornalista no jornal Mercados (eletronico) e Zambezi (impresso) em regime de free lancer. Fez várias parcerias com artistas e coreógrafos como Maria Helena Pinto, Manuela Soeiro, Edna Jaime e Horacio Macuácua. Neste âmbito realiza a sua segunda exposição com o fotógrafo Mauro Vombe durante o festival de dança Contemporaneo Kinani. Em 2010 é convidado para o Festival Cineport em Cataguazes – Brasil, para dirigir o documentário “À espera no quintal” acompanhado pelo técnico de som Nelson Mondlane e pelo director de fotografia Amancio Tiago. O filme ganhou no festival os prémios de melhor realizador, melhor produtor e melhor documentário.

Em 2010 a convite da N’weti pela Mahla filmes escreve o filme “Lobolo em Moçambique”, um pequeno drama, dirigido por Michael Mathison. O filme, que participou no festival Fespaco no Burkina Faso, recebeu o prémio para melhor mensagem social. Em Outubro de 2011 fez uma viagem fotográfica por Amesterdão, Colónia e Munique com o fotógrafo moçambicano, Ismael Miquidade e o fotógrafo alemão, Jan Steinberg.  É membro da UPP-United Photo Press, com algumas fotos publicadas no recente livro de fotografias “WORLD” pela UPP.

Josíne expôs em 2012 em São Tomé e Príncipe obras sobre Amesterdão resultantes de um trabalho com o fotógrafo holandês Cees Lafeber e o eslovaco Juraj Fabus. Actualmente,  Emídio Josíne, estuda filme na Gerrit Rietveld Academie na Holanda e trabalha e vive em Amesterdão.

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